A "obsessão" de Trump? Ganhar o Prémio Nobel da Paz

Casa Branca, fevereiro de 2025. O Presidente norte-americano, Donald Trump, recebe o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, em Washington. Perante os jornalistas, ao responder a uma pergunta sobre a resolução do conflito na Faixa de Gaza, o líder dos Estados Unidos da América (EUA) deixa um desabafo: “Eles nunca me vão dar o Prémio Nobel da Paz. É demasiado mau. Eu mereço, mas eles nunca me vão entregá-lo”. Cinco meses depois, numa segunda visita à capital norte-americana, o chefe do executivo de Israel surpreendeu o aliado, entregando-lhe um documento que comprovava que o tinha nomeado para o Prémio Nobel da Paz. Donald Trump agradeceu e disse ser uma “honra” — e este gesto talvez ajudasse a cumprir um desejo que já vem do primeiro mandato.
Nas suas declarações públicas, Donald Trump nunca escondeu que tem um objetivo em mente: ganhar o Prémio Nobel da Paz. Desde que regressou à Casa Branca, o Presidente norte-americano está empenhado em terminar várias guerras, aproveitando esses esforços de paz para lembrar constantemente o Comité Nobel de que merece o galardão. Um conselheiro confidenciou à CBS News que o Presidente dos EUA está “completamente obcecado” pela ideia de obter tal reconhecimento. Assim, o chefe de Estado percebeu que o Médio Oriente é a região com que pode impressionar o júri norueguês.
De Gaza ao Irão, o Presidente norte-americano tem feito vários esforços de mediação no Médio Oriente. Mas vai mais além disso. Em várias publicações nas redes sociais e em entrevistas, Donald Trump faz questão de realçar que “devia ganhar o Prémio Nobel” pelo que fez na disputa entre o “Ruanda e a República Democrática do Congo”, pela mediação entre a “Sérvia e o Kosovo”, por ter terminado a escalada de tensão entre a “Índia e o Paquistão” e por ter posto um ponto final na “Guerra dos Doze Dias” entre Israel e o Irão. “Eu devia ter ganhado o Prémio Nobel quatro ou cinco vezes”, assegurou em declarações à Fox News, acrescentando que apenas não lhe entregam o galardão porque “apenas o dão a liberais”.
Trump: “They should give me the Nobel Prize for Rwanda and if you look, the Congo, or you could say Serbia, Kosovo, you could say a lot of them. The big one is India and Pakistan. I should have gotten it four or five times”???? pic.twitter.com/BMEoxHcZhh
— Republicans against Trump (@RpsAgainstTrump) June 20, 2025
Ainda que considere que o Comité Nobel apenas entrega prémios a movimentos ou líderes progressistas, Donald Trump não desiste deste objetivo. Está a esforçar-se para terminar a guerra na Faixa de Gaza e está a tentar reconfigurar o Médio Oriente, tentando aproximar diplomaticamente a Arábia Saudita — um dos países líderes do mundo muçulmano — de Israel, numa expansão dos Acordos de Abraão. Além disso, está a formar-se uma espécie de lobby entre os seus apoiantes mais fiéis para que o chefe de Estado ganhe o galardão. Essa campanha extravasa já os Estados Unidos — e outros países, como Israel ou o Paquistão, também querem que o chefe de Estado norte-americano seja reconhecido pelos seus esforços de mediação.
Nas casas de apostas, já se vislumbra alguma movimentação em redor do nome de Donald Trump. Se bem que o Comité Nobel apenas entregue o prémio em outubro, os apostadores já têm os seus favoritos — e o Presidente norte-americano consta desse lote, ocupando a segunda ou a terceira posição. Apenas é superado pela viúva do opositor russo Alexei Navalny, Yuliya Navalnaya, e, em alguns casos, pelo Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky.
Ainda é muito cedo para dizer se esta campanha para o chefe de Estado norte-americano ganhar o Prémio Nobel da Paz vai dar frutos, mas é certo que o núcleo duro da administração Trump e os apoiantes mais ferrenhos estão concentrados nessa missão. De qualquer forma, o júri do Comité, escolhido pelo Parlamento norueguês, pode manifestar várias reservas sobre se devem entregar o galardão a Donald Trump — um homem que já foi acusado (e até condenado) de vários crimes e que muitos alegam que beneficia agressores, como o caso do Presidente da Rússia, Vladimir Putin. Os esforços de paz no Médio Oriente também podem não ser permanentes — e vistos como uma forma de acabar com um conflito sem uma solução definitiva.

▲ Primeiro-ministro de Israel entrega documento que prova que nomeou Donald Trump para o Prémio Nobel da Paz
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É uma das queixas mais recorrentes de Donald Trump — e já vem mesmo antes de ter chegado sequer à Casa Branca. Para o magnata, o antigo Presidente norte-americano, Barack Obama, nunca devia ter ganhado o Prémio Nobel da Paz em 2009. Após ter sido publicado o livro Double Down pelos jornalistas John Heilemann e Mark Halperin — que contava os bastidores da reeleição do democrata em 2012 —, o atual chefe de Estado recorreu às redes sociais, em novembro de 2013, para denunciar uma frase que Barack Obama terá dito: “O nosso Presidente do PRÉMIO NOBEL DA PAZ disse que ‘Era realmente bom a matar pessoas’ de acordo com o livro recentemente publicado Double Down. Pode Oslo retirar o prémio?”
O Prémio Nobel da Paz entregue a Barack Obama foi, efetivamente, alvo de várias críticas, em particular pelos rivais republicanos. O antigo Presidente tinha chegado recentemente à presidência e ainda não tinha tido tempo para pôr em prática as suas ideias na prossecução da paz mundial. Até o ex-chefe de Estado se mostrou “surpreendido” por ter recebido a distinção do Comité: “Para ser honesto, eu não sinto que mereça estar na companhia de tantas figuras transformadoras que foram honradas com este prémio. Eu não vejo [este prémio] como reconhecimento dos meus feitos, mas antes uma afirmação da liderança norte-americana em nome das aspirações dos povos de todas as nações”.
O Comité entregou o galardão a Barack Obama pelos seus “esforços extraordinários para fortalecer a diplomacia internacional e cooperação entre povos”, sublinhando a “visão” do Presidente norte-americano para um “mundo sem armas nucleares”. Adicionalmente, o júri norueguês realçou o papel “mais construtivo” dos Estados Unidos no combate às alterações climáticas, assim como a “democracia e os Direitos Humanos terem sido fortalecidos”.

▲ Barack Obama a receber o Prémio Nobel da Paz em 2009
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Para Donald Trump, o seu antecessor nunca devia ter ganhado o Prémio Nobel. “Ele ganhou o Prémio Nobel por não ter feito nada. Há muita injustiça neste mundo”, atirou o atual Presidente norte-americano num dos seus comícios em outubro de 2024, prosseguindo: “Se o meu nome fosse Obama, ter-me-iam dado o Prémio Nobel em dez segundos. Ele ganhou o Prémio Nobel. Ele nem sequer sabe por que raio o ganhou. Ele foi eleito [para a presidência]. Bem, eu também fui. Ele foi eleito e anunciaram que ele ganhou o Prémio Nobel”.
Sendo um Presidente que gosta de se destacar, Donald Trump terá ficado “obcecado com o facto de Barack Obama ter ganhado o prémio e ele não ter ganhado”, confidenciou um antigo conselheiro à NBC News, que atribuiu ao chefe de Estado norte-americano uma certa “inveja” pelo feito do seu rival democrata. Em declarações à France24, John Bolton, antigo Conselheiro de Segurança Nacional que entrou em rota de colisão com o magnata no primeiro mandato, corrobora: “Trump quer realmente o Prémio Nobel da Paz. Barack Obama ganhou um e ele não percebe por que é que não tem um”.
Na visão do antigo Conselheiro de Segurança Nacional, a queixa de que Barack Obama “não fez nada” para merecer o galardão é “justificada”, uma vez que, argumenta o republicano, não esteve “tempo suficiente na Casa Branca”. E esse facto ainda incomoda mais Donald Trump, que se tem multiplicado em iniciativas de paz e em lamentos nas redes sociais.
"Se o meu nome fosse Obama, ter-me-iam dado o Prémio Nobel em dez segundos. Ele ganhou o Prémio Nobel. Ele nem sequer sabe por que raio o ganhou. Ele foi eleito [para a presidência]. Bem, eu também fui. Ele foi eleito e anunciaram que ele ganhou o Prémio Nobel."
Donald Trump, Presidente norte-americano
A 20 de junho, numa publicação na Truth Social, o Presidente norte-americano mostrava o seu descontentamento novamente, após ter criado as condições para que a República Democrática do Congo e o Ruanda assinassem um acordo de paz. “Eu não vou ter um Prémio Nobel da Paz por isso, eu não vou ter um Nobel da Paz por parar a guerra entre a Índia e o Paquistão, eu não vou receber um Prémio Nobel da Paz por parar a guerra entre a Sérvia e o Kosovo, eu não vou receber um Prémio Nobel da Paz por manter a paz entre o Egito e a Etiópia e eu não vou receber um Prémio Nobel da Paz por ter feito os Acordos de Abraão […] que vai unificar o Médio Oriente pela primeira vez em décadas! Não, eu não vou ter um Prémio Nobel da Paz independentemente do que faça, incluindo Rússia/Ucrânia, Israel/Irão, independentemente de quais possam ser os desfechos. Mas as pessoas sabem e isso é o que me importa!”
Algumas alegações feitas por Donald Trump nessa publicação são exageradas; por exemplo, a situação entre a Sérvia e o Kosovo está longe de estar resolvida. Não é também claro se os Acordos de Abraão vão avançar e se vão “unificar o Médio Oriente”. Mas são a prova de que o Presidente norte-americano está a tentar convencer o Comité, mostrando obra feita.
Barack Obama não foi o único Presidente norte-americano a ganhar um Prémio Nobel da Paz. Em 1906, o republicano Theodore Roosevelt foi o primeiro, devido aos esforços de mediação para terminar a guerra entre o Japão e o Império Russo. Em 1919, foi a vez de Woodrow Wilson ser distinguido pela criação da Liga das Nações, a precursora da Organização das Nações Unidas. Quase um século depois, em 2002, Jimmy Carter também venceu o galardão mais como um reconhecimento de “décadas de esforços incansáveis em que tentou encontrar soluções pacíficas para conflitos internacionais”.

▲ Donald Trump ao lado do príncipe herdeiro saudita, Mohammed Bin Salman
ALI HAIDER/EPA
A “obsessão” de Donald Trump por vencer o Prémio Nobel da Paz pode ter efeitos práticos na forma como é gerida a política externa norte-americana. Os EUA já estão a assumir um papel de mediador em vários conflitos — como o Presidente gosta de destacar nas redes sociais. É certo que o chefe de Estado adora mediatismo e que sempre se assumiu como “contra as guerras”, mas Washington assume agora um papel quase hiperativo pela procura da paz no mundo.
Esses esforços de paz podem também ser feitos para impressionar o Comité Nobel, a par da base eleitoral. E alguns são frágeis. Por exemplo, no final da Guerra dos Doze Dias entre Israel e o Irão, o cessar-fogo inicialmente anunciado pelo Presidente norte-americano nas redes sociais não foi cumprido nas primeiras horas nem por Telavive, nem por Teerão. Só depois de uma reprimenda de Donald Trump em frente aos jornalistas é que Benjamin Netanyahu e o regime dos ayatollahs concordaram em cessar os ataques.
No Médio Oriente, em particular entre Israel e o Hamas, Donald Trump continua empenhado em terminar o conflito, ao mesmo tempo que tenta aprofundar as relações diplomáticas entre Telavive e países na região que sejam aliados norte-americanos, como a Arábia Saudita ou agora a Síria. O seu desejo é criar uma nova arquitetura securitária naquela parte do mundo, em que o Irão fica também mais fraco (sem a possibilidade de desenvolver armas nucleares).

▲ Donald Trump quando repreendeu Israel e Irão por não estarem a cumprir cessar-fogo anunciado por ele
JIM LO SCALZO/EPA
Por tudo isto, Scott Bessent disse à Fox News acreditar que Donald Trump “pode ganhar o Prémio Nobel da Paz”. “Se fosse bem entregue, penso que no próximo ano ele deveria ganhá-lo”, defendeu o secretário do Tesouro norte-americano. No mesmo sentido, o diretor de Comunicação da Casa Branca, Steven Cheung, assinalou ao New York Times que o “Prémio Nobel da Paz se tornaria ilegítimo se ao Presidente Trump — o Presidente da paz — lhe for negado o seu reconhecimento válido de trazer harmonia para todo o mundo”.
Mas há um conflito que pode afastar Donald Trump de concretizar a sua “obsessão”: a guerra na Ucrânia. Durante a campanha para as eleições presidenciais de 2024, o Presidente norte-americano garantiu que terminaria o conflito “em 24 horas”. Passaram quase seis meses e o chefe de Estado ainda não cumpriu esse objetivo, reconhecendo que estava a ser “sarcástico” quando disse que ia chegar a um cessar-fogo em tão pouco tempo.
O conflito não dá sinais de parar. A Rússia está a intensificar os ataques aéreos em solo ucraniano e prossegue paulatinamente a sua ofensiva terrestre de verão. Donald Trump já se mostrou “desiludido” com o seu homólogo russo, Vladimir Putin, mas ainda não aplicou mais sanções contra o Kremlin, embora tenha o apoio de vários senadores. A sua relação com o Presidente russo — que é certo que já teve dias melhores — e o facto de ter destratado Volodymyr Zelensky na Casa Branca podem também ser um duro golpepara as ambições do chefe de Estado norte-americano em ser distinguido pelo Comité Nobel.

▲ Forma como Volodymyr Zelensky foi tratado na Casa Branca por Donald Trump pode deitar por terra chances de ser reconhecido pelo júri norueguês, que apoia a Ucrânia
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Por muito que os seus esforços de paz sejam eficazes no Médio Oriente, a conivência com Vladimir Putin pode, por isso, afastar Donald Trump do Nobel da Paz, que é atribuído por um júri eleito pelo Parlamento norueguês. Até Tybring-Gjedde, deputado de direita radical que integra o hemiciclo nórdico e que já tinha nomeado o Presidente norte-americano para o galardão durante o primeiro mandato (e que se confessa admirador do estilo do magnata), explicou à imprensa norte-americana que “tem sido muito difícil para ele” ver como Donald Trump tem interagido com o homólogo russo.
“Na Noruega, nós fazemos fronteira com a Rússia. [A forma como Trump lida com o assunto] está a ser dura para nós, porque seremos nós a estar em risco se a Rússia continuar a conquistar território”, afirma Tybring-Gjedde, acrescentando que não gosta de ver a forma como a administração Trump tem tratado a Ucrânia. “Isto não é o que eu queria ver. Estou um pouco surpreendido que [ele] aja desta maneira. Não sei por que é que ele age assim”. O deputado norueguês elogia, no entanto, os esforços no Médio Oriente do Presidente norte-americano: “São incríveis”.
Contrariamente aos restantes Prémios Nobel, cuja seleção e entrega são responsabilidade de instituições da Suécia (país de onde é natural Alfred Nobel), o da Paz é atribuído por um Comité nomeado pelo Parlamento da Noruega, que é composto por cinco membros, nomeados para mandatos de seis anos, frequentemente com experiência política. Ora, a nível político, existe um consenso alargado na Noruega de apoio à Ucrânia e uma animosidade em relação à Rússia.
"Na Noruega, nós fazemos fronteira com a Rússia. [A forma como Trump lida o assunto] está a ser dura para nós, porque seremos nós que estaremos em risco se a Rússia continuar a conquistar território."
Tybring-Gjedde, deputado da direita radical norueguesa que nomeou Donald Trump para o Prémio Nobel em 2018 e 2020
Para um júri norueguês, a relação entre Donald Trump e Vladimir Putin pode ser vista de forma muito negativa — e até incomoda um apoiante norueguês que o nomeou no passado. Se isso vai influenciar a política externa norte-americana (ou se a presidência está ciente disso) ainda é uma incógnita. Mas as promessas de que obteria um fim rápido para a guerra entre a Ucrânia e a Rússia, bem como o apoio declarado de vários nomes próximos de Donald Trump ao lado russo, pode trazer problemas para a ambição do líder norte-americano em ser distinguido com o Prémio Nobel da Paz.
Nas declarações públicas que faz sobre o assunto, Donald Trump considera ser justo receber o galardão pelos seus esforços de paz no seio da comunidade internacional, sugerindo também que o merece uma vez que Barack Obama o venceu, na sua opinião, sem razão aparente. Mas há pelo menos mais dois motivos que justificam a “obsessão” do Presidente norte-americano pela distinção do Comité Nobel.
Um deles prende-se com o legado que quer deixar na presidência norte-americana. Ser distinguido, tal como foi Barack Obama, cimenta a reputação de ser um Presidente que “nunca começou qualquer guerra“. No discurso de tomada de posse, a 20 de janeiro de 2025, o chefe de Estado deixou claro que o “legado de que terá mais orgulho” será a de ser um chefe de Estado “pacificador e unificador”. “É isso que quero ser: um pacificador e um unificador”.

▲ No discurso a 20 de janeiro, Donald Trump quis assumir-se como o Presidente "pacificador e unificador"
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Em declarações ao New York Times, John Bolton explica ainda que o “centro da vida pública” do Presidente norte-americano é garantir que obtém admiração e “glória”. “Um Prémio Nobel da Paz seria algo agradável de colocar na estante”, frisa o antigo Conselheiro de Segurança Nacional.
Adicionalmente, concederia algo que Donald Trump sempre procurou ao longo da sua vida pública: o reconhecimento por parte das elites. O chefe de Estado norte-americano construiu carreira em torno de uma mensagem populista, antissistema e contra o establishment. No entanto, o líder norte-americano nunca escondeu que pretende que as elites que tanto criticou lhe concedam valor — e o Prémio Nobel da Paz seria o veículo para ganhar esse respeito.
A um podcast da estação pública australiana ABC, o jornalista norte-americano Jay Nordlinger refere que Donald Trump chegou ao poder “como um grande populista”, mas que “continua a precisar da admiração do establishment”. “Ele diz que não quer saber do New York Times, mas está sempre a lê-lo. Ele maltrata a jornalista [que escreve sobre ele] Maggie Haberman, mas fala com ela”, exemplifica, vaticinando: “Ele quer a aprovação do establishment, mais do que o amor da sua base eleitoral ou do seu movimento”.
"Trump quer a aprovação do 'establishment', mais do que o amor da sua base eleitoral ou do seu movimento."
Jay Nordlinger, jornalista norte-americano
As casas de apostas colocam Donald Trump como um dos favoritos para vencer o galardão; apenas Yulia Navalnaya está constantemente à sua frente. O principal rosto da oposição russa também estava no leque de favoritos do ano passado, tal como Volodymyr Zelensky. Porém, nos últimos anos, o Comité norueguês tem escolhido nomes fora da caixa e, às vezes, pouco conhecidos.

▲ Atual estado das casas de apostas
Continuando a chamar a atenção para os principais problemas que afetam o mundo, a estratégia mais recente tem sido atribuir prémios a nomes menos óbvios. Em 2024, a vencedora foi a fundação japonesa Nihon Hidankyo, que presta apoio aos sobreviventes das bombas atómicas que arrasaram Nagasaki e Hiroshima e que se esforça por divulgar uma mensagem contra a utilização de armas nucleares.
Evitando entrar em polémicas, o Comité Nobel não tem premiado recentemente chefes de Estado ou de governo. O último a ser distinguido foi o primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, em 2019. Porém, o chefe do executivo do país africano iniciou, um ano depois, uma ofensiva na região separatista do Tigray — e admitiu que naquela zona foram cometidas “atrocidades” pelas tropas etíopes, o que levantou várias dúvidas sobre o facto de o político ter sido distinguido com o Prémio Nobel da Paz.
A campanha em torno de Donald Trump pode também não abonar a seu favor. Vários nomes da sua administração fazem apelos, assim como membros da sua base eleitoral. O influencer Charlie Kirk, um ativista com milhões de seguidores entre o movimento Make America Great Again (MAGA), tem sido das vozes mais ativas a pedir o galardão para o Presidente. “O Presidente Trump acabou quatro guerras nos últimos 90 dias”, alegou nas redes sociais na semana passada, pedindo: “Deem ao homem um Prémio Nobel da Paz”.
"O Presidente Trump acabou quatro guerras nos últimos 90 dias. Deem ao homem um Prémio Nobel da Paz."
Charlie Kirk, influencer ligado ao movimento Make America Great Again
O vencedor do Prémio Nobel da Paz em 2016, o ex-Presidente colombiano Juan Manuel Santos — distinguido por ter terminado o conflito com as FARC —, disse ao New York Times que tinha muitas dúvidas sobre as chances de Donald Trump ganhar o galardão. “Não penso que ele ou qualquer pessoa ganhe o Prémio Nobel da Paz simplesmente pelo trabalho que fez para o vencer”.
“Ao longo da História, as pessoas que ganharam o Prémio Nobel da Paz venceram por causa do que fizeram, por causa das suas motivações reais para alcançar a paz. Eu espero que estas sejam as circunstâncias aqui”, realçou Juan Manuel Santos, lembrando que ainda “não há paz no mundo”: “Não penso que haja muitos argumentos a favor do desejo de [Donald Trump]”.
Em declarações ao Observador, Francine McKenzie, professora de História Internacional na Universidade Western no Canadá, sinalizou que ser “laureado com o Nobel é uma distinção singular e o prémio confere atenção e legitimidade ao trabalho pela paz do laureado”. A especialista lembra que o Comité Nobel evita ser alvo de uma “instrumentalização ou politização” do galardão, acrescentando: “O Prémio Nobel da Paz não é um escudo capaz de afastar críticas“.

▲ Juan Manuel Santos, vencedor do Prémio Nobel da Paz em 2006
LISE AASERUD/EPA
Francine McKenzie aborda a possibilidade de Donald Trump querer também politizar o Prémio Nobel, de maneira a mostrá-lo como um troféu político, algo que afaga o ego e serve para calar as elites que o criticam. A especialista destaca que a “escolha de um laureado pode ser controversa“, mas considera que, neste caso, o Comité sabe dos riscos que corre ao entregar o galardão ao Presidente norte-americano.
Por sua vez, Juan Manuel Santos tem uma abordagem menos negativa. Se Donald Trump “conseguir” efetivamente que várias regiões do mundo alcancem a paz, “então pode ser um bom candidato ao Prémio Nobel da Paz”. Mas considera que esses esforços têm de ser sérios e resultar em algo permanente — e não efémero.
Prémio Nobel da Paz. A nova forma de “cortejar” Trump entre os líderes mundiaisDesde que regressou à Casa Branca, vários líderes estrangeiros têm tentado cair nas boas graças de Donald Trump. Tem havido ofensivas de charme, presentes e elogios ao Presidente norte-americano, conhecido por adotar um estilo intempestivo e confrontacional. Ora, o primeiro-ministro israelita entendeu que havia um gesto que poderia agradar o chefe de Estado norte-americano: nomeá-lo para o Prémio Nobel da Paz.

▲ Jantar entre Benjamin Netanyahu e Donald Trump esta segunda-feira
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Benjamin Netanyahu não é o primeiro a fazê-lo. Em meados de junho, o governo do Paquistão já se tinha antecipado e nomeado Donald Trump para o Prémio Nobel da Paz, em reconhecimento da sua “intervenção diplomática decisiva e liderança fundamental durante a recente crise entre a Índia e o Paquistão”. “A liderança do Presidente Trump durante essa crise manifesta a continuação do seu legado de diplomacia pragmática”, assegurou o executivo paquistanês.
Ora, o governo paquistanês lamentou a decisão poucos dias depois. Quando os Estados Unidos bombardearam instalações nucleares no Irão, o Paquistão condenou os ataques norte-americanos. Mas é certo que depois a tensão diminuiu entre Teerão e Telavive e foi o ponto final da Guerra dos Doze Dias.
Esta estratégia pode agora ser utilizada para “ganhar favores, cortejar e entrar nas boas graças do Presidente”, acredita o jornalista Jay Nordlinger. A mesma opinião tem John Bolton, que aponta que Donald Trump “adora ser cortejado”.No caso do primeiro-ministro israelita, o antigo conselheiro destaca que a movimentação foi muito inteligente: foi “perante as câmaras de televisão” e obteve a “atenção da imprensa”. “Netanyahu é bom a cortejar Trump.”

▲ John Bolton acredita que Donald Trump "adora ser cortejado"
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Mais do que líderes mundiais, já tinha havido algumas iniciativas — que já vêm do primeiro mandato — de políticos, deputados e especialistas em relações internacionais que tinham nomeado Donald Trump para o Prémio Nobel da Paz. Recentemente, alguns republicanos também têm sabido interpretar a “obsessão” presidencial, esperando obter favores e apoios do chefe de Estado norte-americano.
Por exemplo, o congressista norte-americano da Georgia, Buddy Carter, nomeou recentemente Donald Trump para o Prémio Nobel da Paz pelos seus esforços no Médio Oriente, uma região marcada pela “animosidade histórica e pela volatilidade política”. O chefe de Estado norte-americano conseguiu “avanços através da coragem e clareza”, dando ao mundo um “vislumbre raro de esperança”.
Buddy Carter, como nota a imprensa do estado da Georgia, tem, ainda assim, outros interesses em vista: está a preparar uma candidatura para o Senado. Nas primárias republicanas para o cargo, no próximo ano, o atual congressista espera obter o apoio fundamental de Donald Trump, entre vários nomes do mesmo espaço político que também deverão avançar na corrida.

▲ Congressista republicano da Georgia Buddy Carter nomeou Donald Trump para o Prémio Nobel da Paz
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Nomes como Buddy Carter avançaram com a nomeação. Mas como funciona o processo? Qualquer membro de um governo ou deputado, professores universitários, especialistas ou antigos laureados podem avançar com um nome. Neste sentido, três israelitas que venceram Prémios Nobel (não da Paz) indicaram que o iriam fazer, caso Donald Trump libertasse todos os reféns em cativeiro na Faixa de Gaza.
A lista final de nomeações é privada — e atinge normalmente as centenas de nomes. Depois cabe ao Comité, que é escolhido pelos principais partidos representados no Parlamento norueguês, eleger o nome, que pode ser de um indivíduo, um grupo ou uma associação. Em 2025, registaram-se 338 candidatos. Os cinco jurados vão eliminando candidatos e chegam a uma lista mais reduzida com apenas alguns nomes. Depois, são aconselhados por conselheiros e especialistas que avaliam os motivos pelos quais uma organização ou personalidade deveria ser distinguido.
O Comité normalmente escolhe por unanimidade, ainda que nem sempre seja possível. Caso não se chegue a um consenso, será pelo voto da maioria dos jurados. A decisão apenas é tomada dias antes do prémio ser anunciado, num clima de grande secretismo. Este ano, o nome da organização ou personalidade que vence o galardão será lido a 10 de outubro em Oslo, havendo uma cerimónia dois meses depois para a entrega do prémio.

▲ Presidente do Comité Nobel, a norueguesa Berit Reiss-Andersen
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Se o nome Donald Trump estiver mesmo a ser considerado, terá de atravessar estas fases todas. O atual Presidente norte-americano deseja que, nos livros de História, haja uma menção a este prémio, uma forma de deslumbrar quem o critica e de ficar com uma reputação positiva. Porém, o Comité Nobel norteia-se por critérios distintos e tem optado por distinguir nomes menos conhecidos. Por agora, em todas as geografias, o chefe de Estado promete não parar de tentar fazer a paz — e impressionar o júri norueguês.
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